23 de set. de 2016

A operação “Lavajato” permitiu travestir o ódio aos pobres no orgulhoso discurso do combate a corrupção. Jessé Souza - entrevista para Conversa Afiada

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"Eu nunca cuidei dos pobres, eu não sou São Francisco de Assis. Até porque a primeira vez que tentei carregar um pobre pôr dentro do meu carro eu vomitei por causa do cheiro"

Rafael Greca – líder das pesquisas em Curitiba




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Fragmento transcrito da entrevista de Jessé Souza
“- [...] Como a matriz econômica tinha no fundo operado uma ascensão social dos setores excluídos para um setor de uma classe trabalhadora precária, que implica quase sempre uma base emprego num nível muito baixo. A entrada desse pessoal que estava sendo formado exigiria melhores empregos. Eu acho que foi aí um primeiro efeito. No início dessas manifestações, que foram manifestações populares, espontâneas efetivamente. Que tinha a ver quase sempre com questões locais, com suas questões municipalizadas. Que foram depois federalizadas pela mídia como forma de atingir a presidenta, como algo artificial. (Jessé Souza)


- Você diz que em junho de 2013, o jornal nacional federalizou as manifestações. (Paulo Henrique Amorim)


- Federalizou as manifestações. Eu fiquei estupefato estudando dia a dia o jornal nacional. E o jornal nacional opera, no fundo [...]. Quando as manifestações se ligavam a esses batalhadores insatisfeitos, eles eram chamados de vândalos. (Jessé Souza)


- Sim. (Paulo Henrique Amorim)


- Eles eram chamados de abuso e etc. E quando começou a ver uma entrada de outro segmento, houve no caso, especialmente no dia 17 que culmina no dia 19 com outro público completamente distinto destas manifestações. E esse público para mim tem a ver, existem pesquisas empíricas que eu menciono no livro que comprovam isso, que se tratava de que, uma classe média branca de alto nível cultural, inclusive com interesses rentistas, ou seja, a capa superior da classe média também participa destes mesmos interesses, que haviam sido vencidas em quatro eleições e sempre tinha votado contra. [...] Mas a grande esperteza, entre aspas, desse ovo da serpente, foi como essa mesma classe conservadora que desde sempre, sempre odiou os pobres. E aí o ódio aos pobres, tem a ver em duas maneiras, não só o estimulo a matança indiscriminada nas nossas cidades, associadas ao abandono. (Jessé Souza)


- A omissão e a cumplicidade com essa matança. (Paulo Henrique Amorim)


-Exatamente isso! E associaram também a um extremo incomodo, acho que esse é um tema muito importante, que é muito pouco visto, [...] essa pequena ascensão que houve entre nós, o que eu acho um fato chocante, uma pequena ascensão, já despertou ódios, já despertou ressentimentos e já despertou medo.  Ou seja, essa classe média, ela está se sentindo incomodada por que agora ela estava tendo que dividir espaços, shopping centers, aeroportos, etc. (Jessé Souza)


- Recentemente se soube que a maioria dos estudantes hoje das universidades públicas provem de negros e pobres. É um dado atual estudado pela associação das Universidades Federais, segundo o depoimento do presidente desta associação que é o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. (Paulo Henrique Amorim)


- Que é um dado extremamente relevante e importante que mostra que estávamos construindo, estávamos no caminho de construir uma nova forma de sociedade, que isso que implica. Não é só acesso ao consumo, mas o acesso ao verdadeiro capital que habilitam as pessoas a terem uma vida digna e poderem sonhar com uma vida melhor. [...] essa classe média portanto, foi fantasiada, foi travestida. [...] Essa classe média, desculpa, que estava incomodada com a invasão dos espaços, mas a política também é feita disso, isso é um medo racional [...] e a política é feita de medos irracionais e as vezes eles são os mais importantes. Esse medo irracional da classe média, e inclusive a gente está estudando agora em termos de pesquisas empíricas, refletiu então no medo dessa classe média não só em dividir os espaços, mas também de começar a perde privilégios, ou seja, essa espécie de pessoal já está dividindo espaços conosco pode ser uma ameaça para o que verdadeiramente importa, empregos, prestígios, salários e etc. (Jessé Souza)


- Renda! (Paulo Henrique Amorim)


- Esse incomodo, que foi efetivo, que foi real e extremamente importante. Por que isso no fundo a gente sempre pensa o fascismo como o nazismo, são forma radicais do fascismo, mas a estrutura do fascismo é exatamente essa. É uma forma de você manipular medos irracionais a partir de um bode expiatório, como se esse bode expiatório, a ascensão dos pobres pudesse ser uma ameaça real. São os mexicanos lá nos Estados Unidos, são os estrangeiros e nós são os nossos pobres. O que é um absurdo. (Jessé Souza)


-Mas Jessé você diz que o jornal nacional a partir de junho de 2013, quando federaliza as manifestações, os golpistas passam então efetivamente a se articular. É nesse ponto que é o estalo da articulação. (Paulo Henrique Amorim)


- Exatamente, esse ponto é nevrálgico, e é possível da gente ver empiricamente, analisando a forma como o jornal começa de um modo muito refinado, satanicamente refinado, perceber e se comunicar com o seu público, construir o seu público ali. Porque no fundo essa classe que tinha medo e que antes apenas reclamava a boca pequena, e é uma reclamação ilegítima por que você não pode ser contra no espaço público, igualdade, ele ganha o quê? Ele ganha essa legitimação pseudoracional, ou seja, eu sempre odiei esse governo, esse presidente, por que no fundo não é o ódio ao Lula, é o ódio que Lula representa. E Lula representa a ascensão dessas classes que foram percebidas como ameaças. Essa classe média ganhou com o discurso do moralizador que começa em 2013, ainda de modo abstrato e quem vai torna-lo concreto é a “Lavajato”, com sua forma seletiva. (Jessé Souza)


- Mas antes da gente entrar nesse tema da corrupção, você toca num ponto ainda ao definir essa classe média, que ela é tão escravista quanto a elite. (Paulo Henrique Amorim)


- Exatamente! (Jessé Souza)


É possível que a classe média seja tão escravista quanto a elite? (Paulo Henrique Amorim)


- Eu acho que ela é pior, por que isso tem a ver com o fato de nós sermos uma sociedade escravocrata por que nunca se criticou, nunca se criticou enquanto tal, inclusive quis esquecer. (Jessé Souza)


[...]


- O Brasil não quer saber que foi escravocrata, a escravidão mais longa e que escravizou mais gente. (Paulo Henrique Amorim)


-Exatamente isso, e a que mais mantém os seus efeitos por consequência sobre uma forma pseudodemocrática. A herança dessa escravidão a gente pode perceber exatamente na ação como as classes dirigentes reagem as classes da própria sociedade. A elite reage ao meu ver como uma espécie de desprendimento blasé, de que pouco se importa. Pensa na rapina a curto prazo, não tem um projeto de longo prazo. Por que o projeto de longo prazo implica em... (Jessé Souza)


- Como diria o Cazuza “instalar o puteiro para ganhar mais dinheiro”. (Paulo Henrique Amorim)


- Pronto, é exatamente isso. Se você não põe, não traça objetivos políticos de longo prazo, significa que você não tem relação afetiva com as outras classes, você não monta um acordo duradouro com elas. A classe média é pior ainda, por que não é só blasé, ela tem o ódio, não é isso. E o discurso, isso é extremamente importante, por que para a classe média desempenhar esse novo orgulho de ser direita, orgulho de ser protofascista desenvolvido entre nós, ela precisa de uma narrativa e de um líder. A Narrativa foi o quê? A corrupção seletiva, que hoje se desvenda como uma fraude. Foi tudo montado. (Jessé Souza)


- Você chama de um combate a corrupção pornograficamente seletivo. Esse é o discurso do Golpe. (Paulo Henrique Amorim)


- Exatamente, por que foi assustador como isso foi feito, ao arrepio da lei inclusive. (Jessé Souza)


- Os únicos corruptos são os petistas. (Paulo Henrique Amorim)


- Exatamente isso, o que hoje dia mostra-se que isso é uma mentira. Mas o time foi montado dessa articulação entre, por que aí a imprensa vai a ajudar a construir, o exemplo do jornal nacional é muito bom nisso, por que essa transmutação de uma classe média que odeia os pobres, mas que não pode odiar em público, e dá o discurso público para esse ódio. É o tema do fascismo, ou seja, dá-se uma legitimação pseudoracional, qual é a pseudoracionalidade aí: você não é o canalha fascista, ao contrário. Você transmuta, você é o herói guardião da moralidade, você pode botar sua camisa amarela, com orgulho, cantar o hino nacional por que agora você tem um discurso legítimo. (Jessé Souza)


- Você usa inclusive a expressão de que se cria uma nova estética do uso da camisa amarela. (Paulo Henrique Amorim)


- Exatamente isso! (Jessé Souza)


- Então você quer dizer que o combate a corrupção é que deu o a cobertura para o exercício de uma atitude fascista. (Paulo Henrique Amorim)


Exatamente isso! (Jessé Souza)

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