10 de abr. de 2012

Filme Jogos Vorazes, um emblema do ideal da ultracompetição entre os jovens

 

Jogos Vorazes 1

 

 

 

 

 

 

Utilizando como iniciador o filme “Jogos Vorazes”, o jornalista Renato Queiroz convida alguns especialistas a refletirem sobre o fenômeno da formação ultracompetitiva das novas gerações. 

 

Veja abaixo parte da reportagem especial “Aprendizes de Gladiadores” publicada no jornal O Popular em1 de abril de 2012.

 

Por Renato Queiroz

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Imagem que ilustra cartaz de divulgação de Jogos Vorazes, sobre jovens que participam de um reality show literalmente mortal: metáfora sobre a sociedade ultracompetitiva de hoje

Uma verdadeira carnificina juvenil. Jogos Vorazes, fenômeno literário escrito por Suzanne Collins, cuja primeira parte da trilogia está em cartaz nos cinemas, conta a história de um reality show em que 24 crianças e adolescentes disputam um único prêmio: a sobrevivência. Ao vencedor, as mãos sujas do sangue dos demais participantes e a glória de continuar vivo. Perdedores morrem. Apesar das tintas carregadas da ficção, o Big Brother dark vivenciado pela protagonista Katniss Everdeen não deixa de ser uma metáfora pertinente sobre a atual geração de crianças e adolescentes treinados desde o berço para vencer custe o que custar.

Não é por acaso que a tão celebrada Geração Y – os nativos digitais que cresceram familiarizados com as novas mídias – também é conhecida pela expressão “jovens vorazes”. Competir está no DNA dessa geração que tem revolucionado o mercado de trabalho e as regras de comportamento social. Relações humanas são por natureza competitivas. Para os especialistas ouvidos pelo POPULAR, a disputa, quando bem dosada, faz bem, estimula o conhecimento e mantém o corpo e a mente em plena atividade.

Por outro lado, quando o nível de competitividade extrapola a normalidade, o resultado, normalmente, é o estresse. “Se o estresse for crônico, seus efeitos são muito prejudiciais à saúde. Existe uma vasta documentação a respeito dos efeitos adversos do estresse crônico que podem se manifestar ao longo da infância ou mais tarde na vida adulta”, destaca a pediatra Célia Silvany, pesquisadora na área de violência e coordenadora do Internato e Residência Médica em Pediatria das Obras Sociais Irmã Dulce de Salvador.

Abuso

A médica explica que evidências confirmam que o sistema neuronal nas crianças é mais vulnerável aos efeitos negativos do meio ambiente. A exposição prolongada ao estresse, causado pelo ambiente hostil da competitividade, pode acabar afetando a química do cérebro. Para Célia, as competições emocionais, impostas às crianças e aos adolescentes, especialmente nos ambientes familiar e escolar, são também uma forma de abuso.

“É recomendado aos pais ou responsáveis evitarem usar palavras ou comparações grosseiras, não exigir que a criança seja sempre a melhor em tudo, incentivando e ressaltando o que ela faz de bem-feito e ajudando a tornar o erro em acerto. O importante é manter-se sempre a seu lado”, ensina. Pais extremamente competitivos costumam fazer o que estiver ao alcance para controlar a vida social, afetiva e escolar dos filhos. O objetivo utópico é que os pequenos tenham uma trajetória perfeita até o pódio final. A escola, em especial a privada, seria cúmplice nesse processo.

Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), Silvia Rosa da Silva Zanolla lembra que, desde os primórdios da civilização, o ser humano desenvolveu a disputa devido à necessidade de sobrevivência. “A questão é que, conforme a sociedade vai se desenvolvendo culturalmente, espera-se que a competição bárbara ceda lugar a comportamentos e relações mais humanistas, como a cooperação. Ou seja, o desenvolvimento social deveria significar compreensão maior de valores sociais voltados ao bem comum”, destaca.

Sobre as críticas de que a educação formal tem colaborado para aumentar esse clima de vale-tudo entre os jovens, focados sempre na batalha do vestibular, a professora lembra que o sistema educacional é reflexo do trabalho humano. “O que se percebe é uma confusão entre formação ampla e humanista e formação tecnicista, verticalizada para o trabalho. O trabalho técnico é importante, mas não basta a competência para a prática se a formação não se fizer acompanhar de princípios básicos que possibilitam a autopreservação da humanidade”, explica Silvia, que é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG).

A pesquisadora defende ainda um investimento maior em uma educação verdadeiramente humana que privilegie menos o lucro das instituições e do mercado e que assuma a função de transformar a sociedade e as mentalidades rumo a um mundo melhor para todos, sem distinção. Consultor especialista em Geração Y, Sidnei Oliveira concorda que a escola tem papel fundamental nesse clima de batalha dos dias atuais. “O colega ao lado é sempre visto como um concorrente que pode tomar a vaga na universidade.” Sidnei acredita que vivemos em um tempo em que a competição assumiu contornos de estilo de vida.

Videogames

Para ele, os videogames anabolizaram um processo que era natural. “O espírito de disputa sempre moveu o ser humano, mas, se antes era preciso formar grupos para disputar, por exemplo, uma partida de futebol na rua, com o videogame, esse processo passou a ser solitário. A competição ganhou mais importância do que a cooperação”, compara. O consultor conta que a ansiedade é a característica mais marcante dessa geração ultracompetitiva.

Em sua opinião, a saga mostrada em Jogos Vorazes tem certa semelhança aos processos de seleção em programas de trainee de grandes empresas. “Se antes, para entrar numa boa faculdade, você disputava com 40, 60 pessoas por vaga, numa boa empresa uma vaga de trainee é disputada por 5 mil jovens, que estão dispostos a tudo. O crescimento econômico do País acabou colocando ainda mais gasolina nesse clima de guerra”, constata.

Jogos Vorazes 2

“A luta, o enfrentamento, a busca pela realização dos desejos e necessidades não é violência. A violência surge quando negamos definitivamente ao outro o seu direito de lutar e reivindicar para que só a nossa vontade prevaleça sobre a dele” | Cida Alves, psicóloga

 

‘O que não é saudável é ser extremista

Aprender a conviver num mundo realmente mais competitivo, com ética, respeito e de forma construtiva, é talvez o maior desafio dessa geração, explica a psicóloga Jacqueline Amaral, especialista em psicopatologia infantil. “Crianças e adolescentes são estimulados precocemente para serem muito competentes no que fazem. O que não é saudável é ser extremista. Ser competitivo demais ou apresentar pouca competitividade, não é o que se espera de uma pessoa, umprofissional. Espera-se que seja um indivíduo que saiba lidar com a demanda de cada momento”, relativiza.

O mundo dividido entre vencedores e fracassados tem excluído, de acordo com a mestre em educação e psicóloga Cida Alves, as crianças do prazer intrínseco do jogo e da brincadeira. “O que vale não é a graça, a convivência, o prazer, mas sim ser o primeiro. Quando mergulhamos no individualismo e lançamos mão do recurso do vale-tudo para sempre sermos os primeiros, os únicos, estamos nos sujeitando ao risco de sermos também os últimos, ou seja, aqueles que ninguém quer ter por perto”, explica. Ao vencedor, restaria a solidão do topo.

Para Cida, a competição, assim como a agressividade, não é um mal em si. Para assegurar a sua identidade e integridade, um sujeito necessita se afirmar, correr atrás de seus desejos e necessidades. “A luta, o enfrentamento, a busca pela realização dos desejos e necessidades não é violência. A violência surge quando negamos definitivamente ao outro o seu direito de lutar e reivindicar para que só a nossa vontade prevaleça sobre a dele”, diferencia.

A pesquisadora lembra que a competição e a cooperação têm acompanhado a história humana. No entanto, foi a supremacia da cooperação que permitiu que nossa espécie, tão frágil e limitada em recursos de autodefesa, sobrevivesse no mundo natural. “Existe dentro de nós a potencialidade para sermos prestativos ou hostis, mas, do ponto de vista evolutivo, os impulsos cooperativos desempenharam um papel mais importante na construção de nossa humanidade.” Ensinar isso para os jovens vorazes é o grande desafio.

A vida no paredão

Pressionados desde muito cedo para vencer, jovens encaram situações de desafio sem estar preparados para a frustração da derrota

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Cena de Jogos Vorazes , em cartaz na cidade: dispostos a vencer a qualquer custo, jovens não exibem nenhuma compaixão pelo sofrimento alheio

 

Jovens ansiosos, deprimidos e sem estofo emocional para lidar com as adversidades da vida. O retrato da geração que desde muito cedo é pressionada para vencer não é dos mais animadores. Um estudo da Universidade Brock, do Canadá, mostrou que a competitividade causa mais violência do que a própria selvageria em si. Para provar isso, os pesquisadores utilizaram jogos de videogames separados na categoria violência – com cenas de batalhas e mortes – e na categoria competitivos, mas não violentos. Os segundos causaram mais ataques de fúria nos participantes que não conseguiram lidar com a frustração da derrota.

Para a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a sociedade capitalista competitiva acabou virando terreno fértil para a sede pela vitória e não aceitação das adversidades. Apesar de concordar que o sistema escolar, em especial o privado, é baseado na competição, ela lembra que no Brasil as cores são ainda mais suaves se comparadas ao sistema educacional norte-americano.

“Essa exacerbação da disputa, do mundo dividido entre vencedores e perdedores, é uma coisa da escola americana. Aqui isso não é tão descarado”, acredita. Na escola pública, a socióloga lembra que os alunos, infelizmente, são mais preparados para a derrota do que para vencer.

Um ponto em que os especialistas concordam é que o excesso de competição acaba provocando uma falta de sentido na vida. O processo para obter uma vitória ficou mais importante do que o resultado prático dela na vida do indivíduo.

Ausência de sentido

“O grande dilema do homem pós-moderno, do homem da era da competitividade, é a ausência de sentido. Há um certo vazio, um mal-estar frente as coisas, as pessoas não conseguem dizer sobre o que acontece com elas. Estão perdidas, sem rumo. Corre-se a todo custo e o preço da corrida é essa ausência das respostas fundamentais da vida: quem eu sou, onde estou e para onde vou”, explica o psicanalista Patrick de Oliveira, diretor da Nova Escola Lacaniana de Psicanálise.

As respostas a estas questões sempre foram um dilema para o homem. Mas, de acordo com Patrick, atualmente há um certo “desprazer, um despreparo e uma má vontade em respondê-las”. “A pessoa prefere ficar no vácuo, a se dar ao trabalho de dar sentido à própria existência.” É mais ou menos o que ocorre no primeiro título da saga de Jogos Vorazes. A luta animalesca pela sobrevivência não deixa espaço para a reflexão dos jovens participantes.

O universo criado por Suzanne Collins dá margem também a diversas interpretações sobre história, religião, política internacional, controle social e outras áreas do conhecimento, como psicanálise, filosofia, literatura e cultura pop. Talvez até mesmo por isso tenha se tornado um fenômeno mundial, que já vendeu 30 milhões de livros em todo mundo.

“Acho a história muito interessante. É uma obra de ficção, mas que retrata bastante aspectos da realidade contemporânea”, explica a psicóloga Vera Lúcia Morselli, professora do departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO)

Vera acredita que o mais grave na geração dos aprendizes de gladiador é a indiferença que eles sentem em relação ao sofrimento do outro, o que acaba provocando o aumento de violência física e simbólica. “A competição tem de existir ao lado da colaboração. Apesar de compartilhar ser a palavra de ordem no mundo virtual, na vida real esse valor tem sido pouco estimulado. Pressionados para o sucesso, esses jovens acabam desenvolvendo precocemente problemas, como a depressão.”

Nos olhos de quem vê

Em Jogos Vorazes, Suzanne Collins também amplifica a crítica à obsessão moderna pelo gênero reality shows. Em uma das cenas mais emblemáticas, a protagonista Katniss Everdeen diz que a audiência é também responsável pela carnificina. “Se ninguém assistisse, o programa não existiria”, diz a heroína. É como se os jovens tivessem que viver uma matança para satisfazer o desejo voyeur de uma sociedade futurista que assiste a tudo pela TV.

“A frase é emblemática de uma sociedade que, em nome do entretenimento, se rende aos instintos mais primitivos pela busca do prazer imediato”, analisa Silvia Rosa da Silva Zanolla, da Faculdade de Educação da UFG. Para a professora, apesar de ela admitir que esta seja uma opinião meio fora de moda, o gênero reality show é a representação cabal da decadência de uma cultura empobrecida, fria, narcisista e preconceituosa. “O problema do reality é que ele não causa nas pessoas o mal-estar que deveria causar como projeção da vida privada invadida e exposta ao preço da coisificação humana. Quem assiste, normalmente, está muito ocupado para refletir sobre essas questões.”

A psicóloga Cida Alves também concorda que a audiência é cúmplice do sofrimento transmitido pela TV. “O maior responsável pela manutenção da violência é o consentimento silencioso e às vezes hipócrita de quem assiste passivamente a um ato de violência”, destaca.

Para ela, é natural que uma sociedade que valoriza o sucesso individual em detrimento do sofrimento dos demais crie um terreno fértil para que certos sujeitos passem a ser incapazes de ter compaixão pela dor do outro ou até mesmo possam desenvolver o gosto em assistir ao sofrimento alheio ou provocá-lo. Jogos Vorazes é, portanto, um prato cheio para a geração obcecada por reality shows e por diversão com a tragédia alheia.

Fonte: Magazine do jornal O Popular em 01 de abril de 2012 – Goiânia/Goiás.

 

Veja ainda o texto original da entrevista do jornalista Renato Queiroz:

Renato Queiroz - A senhora acredita que vivemos num mundo mais competitivo ou esse espírito da disputa sempre moveu o ser humano?

Cida Alves
A competição e a cooperação têm acompanhado a história humana. No entanto, foi a supremacia da cooperação que permitiu que nossa espécie, tão frágil e limitada em recursos de autodefesa, sobrevivesse no mundo natural. Para o renomado antropólogo Ashley Montagu, se essa tendência não tivesse existido nossa espécie nunca teria alcançado a humanidade. Existe dentro de nós a potencialidade para sermos prestativos ou hostis, mas do ponto de vista evolutivo os impulsos cooperativos desempenharam um papel mais importante na construção de nossa humanidade.

Acredito que um dos maiores equívocos cometidos pelo pensamento ocidental foi o de atribuir ao biológico, às forças naturais, os atos violentos do homem. Não existe violência na natureza! A necessidade da supremacia de um sujeito individual sobre os demais de sua espécie é uma construção da cultura humana. A competição e a cooperação coexistem na natureza, mas elas estão sempre a serviço da espécie e não do indivíduo. No mundo natural as necessidades dos indivíduos são secundárias às do grupo, da manada ou da espécie. Tanto é verdade que certos seres sacrificam a sua existência individual em nome da preservação da espécie, como é o caso dos Salmões.

Em acordo com Montagu, Humberto Maturama (indicado ao Prêmio Nobel de Medicina) ressalta o papel da cooperação na construção de nossa condição humana. Para esse cientista o amor é o fundamento biológico do humano, pois é “a emoção central na história evolutiva que nos dá origem”. O conceito de amor por ele apresentado não tem nada a ver com ideais românticos ou religiosos, mas sim um fenômeno biológico cotidiano que viabiliza um comportamento calculado para conferir ao outro o benefício da sobrevivência. O amor, emoção central da evolução natural humano, é que permite a aceitação do outro como um ser legítimo, viabilizando assim a convivência mútua, portanto, a possibilidade da constituição da linguagem.

Para o filhote humano, frágil e totalmente dependente, é esse “amor” que satisfará as necessidades básicas da criança, comunicando-lhe que existe por parte do cuidador um sentimento profundo de envolvimento com o seu bem estar. Tal envolvimento e esforço permitem que se construa entre o adulto que cuida e a criança uma sensação de estabilidade e confiança, que é essencial para um desenvolvimento sadio.

Renato Queiroz - A impressão que temos é que desde bebês as crianças são criadas para vencer. Qual o reflexo que isso tem na vida das pessoas?

Cida Alves
A necessidade artificial de antecipar nas crianças certas habilidades e competências tem retirado de nossos filhos um precioso e vital elemento para o seu desenvolvimento físico e mental: o ócio criativo e a brincadeira não programa. As nossas crianças precisam brincar, brincar, brincar, correr, se expandir, exercitar sua curiosidade, experimentar o erro, o fracasso, a queda, pois assim elas desenvolverão capacidades com a inteligência criativa, a resiliência e a tolerância à frustração. A atual exigência de performances perfeitas tem gerado crianças cada vez mais rígidas, ansiosas e inseguras. E pior muito mal humoradas! A divisão que estamos construindo entre vencedores e fracassados tem excluído da vida de nossas crianças o prazer intrínseco do jogo, da brincadeira, o que vale não é a graça, a convivência, o prazer, mas sim ser o primeiro. Quando mergulhamos no individualismo e lançamos mão do recurso do “vale tudo” para sempre sermos os primeiros, os únicos, estamos nos sujeitando ao risco de sermos também os últimos, ou seja, aqueles que ninguém quer ter por perto. Solidão e ausência de prazer, é esse o nosso projeto de futuro para os nossos filhos. Será que esse não é um preço alto demais a se pagar pelo sucesso a qualquer preço?

Renato Queiroz - Qual é o papel da escola nesse processo que transforma estudantes em verdadeiros gladiadores em busca de uma vaga na universidade?

Cida Alves
Ainda que o nosso tempo seja cada dia mais escasso, precisamos dar uma parada e fazermos a nós mesmo a seguinte pergunta: que tipo de pessoas a educação individualista e altamente competitiva está formando? Que tipo de civilização eles construirão no futuro? Ainda que a singularidade de cada aprendiz deva sempre ser respeitada, o ato de educar sempre envolve um projeto de futuro, um projeto de coletividade. É direito de todo aluno buscar o acesso a uma universidade de qualidade e assegurar uma profissão. Mas é importante que esse aluno, carregue para sua formação superior e depois para o seu exercício profissional valores que ao longa de nossa civilização edificaram a nossa humanidade, como a cooperação, a solidariedade e o compromisso com a sobrevivência e as legítimas necessidades do outro. A educação é sempre um esforço civilizatório, uma busca pela superação da barbárie que viola e leva sofrimento ao mundo dos humanos e da própria natureza.

Renato Queiroz - Qual o limite que os pais precisam dar aos filhos quando o assunto é prepará-los para o mundo realmente competitivo?

Cida Alves
Retomando o tema da evolução humana, quem sobreviverá? O mais forte, o mais inteligente? Para o autor da teoria da evolução, Charles Darwin, “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. O equilíbrio é a arte dos flexíveis, pessoas rígidas não conseguem boiar na água, nem se equilibrar em uma corda bamba. Ora, então para que estamos formando seres incapazes de lidar com a adversidade e o inesperado. Rígidos e perfeccionista podem até vencer no primeiro momento, mas sempre perderam o que a vida pode oferecer de melhor, a convivência amorosa e desinteressada, o prazer de se levantar e perceber que a queda jamais roubará de si a sua autoestima e valor e, por fim, a capacidade de deixar como legado de sua existência uma obra que inspira no outro uma admiração e um respeito que supere a ordem dos esquecimentos.

Renato Queiroz - Ser competitivo é realmente ruim?

Cida Alves
A competição, como a agressividade não é um mal em si. Para assegurar a sua identidade e integridade um sujeito necessita se afirmar, correr atrás de seus desejos e necessidades. A luta, o enfrentamento, a busca pela realização dos desejos e necessidades não é violência. A violência surge quando negamos definitivamente ao outro o seu direito de lutar e reivindicar para que só a nossa vontade prevaleça sobre a dele.

Renato Queiroz - "Se ninguém assistisse, o programa não existiria", diz uma das protagonistas de Jogos Vorazes. A senhora acredita que há um certo prazer na audiência em assistir ao sofrimento dos participantes de reality show?

Cida Alves
Infelizmente sim! Mas a satisfação com o sofrimento alheio que algumas pessoas manifestam não possui uma origem biológica. Essa forma de satisfação é construída no entrelace das características individuais, heranças familiares e os valores cultuados pela sociedade. Se uma sociedade valoriza o sucesso individual em detrimento ao sofrimento dos demais, ela pode criar um terreno fértil para que certos sujeitos desenvolvam a incapacidade de ter compaixão pela dor do outro ou até mesmo o gosto em assistir ou provocar o sofrimento.

Renato Queiroz - Quem observa pela TV o sofrimento do outro é também cúmplice?

Cida Alves
A audiência contribui sim para a espetacularização da dor, do sofrimento. A violência rende dividendos, o seu consumo eleva a sua produção. O autor de violências só se mantém impune porque alguém dá consentimento explícito ou velado ao seu ato de violação. O consentimento pode ser ativo, quando existem trocas ou interesses comuns entre os que comentem a violência e os que assistem a ela. Ora pode ser passiva, quando por omissão ou indiferença alguém não protege a vítima interditando a violência.

 

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