16 de set. de 2011

Dia Internacional da Paz – tributo a Irena Sendler: um símbolo de amor universal


Iniciando as comemorações do dia 21 de setembro, Dia Internacional da Paz, posto a seguir alguns princípios da Educação Para Paz. Ao longo dos próximos dias, homenagearei alguns personagens pouco conhecidos de nossa história contemporânea, mas que foram exemplos vivos de tais princípios.



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“Não creio em nenhum esforço chamado de Educação para a Paz que, em vez de revelar o mundo das injustiças, torne-o opaco e tenda a cegar suas vítimas”. Paulo Freire, 1986.

Os dois princípios fundantes da Educação para a Paz:
  • A recusa da violência como forma de resolver os conflitos
  • A busca da coerência entre os fins e os meios
Para Xésus R. Jares (2002) esses dois princípios são os fundamentos da ação nãoviolenta que devem ser difundidos e gozar de um estatuto especial em toda proposta educativa.

Asas d'água
“Gandhi, consciente das violências externas, propugna uma aprendizagem explícita desde pequenos das técnicas não violentas, isto é, manifestações e ações nãoviolentas, práticas dos métodos de resistência civil e não cooperação com a injustiça organizada, que favoreçam a força interior necessária de cada pessoa. A não violência, nas palavras do próprio Gandhi “não tem nada de passiva”. Por outro lado, esse processo educativo da criança deve começar “já no dia de sua concepção, devendo estar baseado no respeito à sua integridade” Nessa preparação nãoviolenta, Gandhi ressalta, ou melhor, coloca como condição imprescindível a comunhão ou coerência que deve existir entre os fins a perseguir e os meios a empregar (JARES, 2002, p. 70 e 71).

arvore branca
“O fim está nos meios, como a árvore na semente”, afirma Gandhi.

Como assinalou J.P. Lederach, “a nãovilencia é enfocada como uma forma de luta contra a injustiça, sem que essa luta implique um agravo ou dano à pessoa que cria ou apóia essa injustiça” (1984, p. 72). Como decorrência pedagógica de tal princípio, desaparecem os castigos corporais (GANDHI, 1988, p. 57) e todo tipo de violência, tanto física como psíquica. (JARES, 2002, P. 70 e 71).
Apresento abaixo algumas escolas que desenvolveram e difundiram a proposta de uma educação nãoviolenta:
A Escola da Arca
A comunidade da Arca foi fundada em 1948 por Lanza del Vasto, discípulo de Gandhi, em Occitânia (França).
“No trabalho escolar, parte-se da iniciativa da criança, enquanto a outra parte é coletiva e dirigida pelo professor; ‘um ponto importante é que cada criança trabalha no seu ritmo, existe a ajuda mútua e, inclusive, é um dever explicar aquilo que se compreende” (Weyer, 1988, p. 101). (...) Eliminaram-se os elementos da competividade – exames, prêmios, classificações - , estimulando o trabalho por seu valor. As crianças têm também o “dever de desobedecer, e são obrigadas a fazê-lo diante das ordens injustas ou desrespeitosas” (JARES, 2002, p. 73).
A nãoviolência educativa na Itália
1) Os princípios educativos de Lorenzo Milani
Em sua famosa carta aos capelães castrenses toscanos, Milani descreve os princípios educativos e ideológicos da não obediência às ordens ou leis que sejam injustas:
“(...) não posso dizer a meus alunos que a única maneira de amar a lei é obedecê-la. Só posso lhes dizer que devem honrar a lei dos homens de forma que as cumpram quando sejam justas ( isto é, quando são a força do fraco); quando virem, ao contrário, que não são justas (isto é, quando sancionam o abuso do forte), terão de lutar para mudá-la” (MILANI, apud JARES, 2002, p 74).
Na mesma carta Milani defende o princípio educativo da soberania individual, ou seja, a necessidade de incentivar a autonomia individual em vez da obediência cega, maneira tal que “cada um se sinta responsável por tudo” (MILANI, apud JARES, 2002, p 74).
Inspirados no trabalho de Milani, os alunos da escola Barbiana publicou em 1967 o livro Carta a una maestra. Esse documento teve ampla repercussão social e pedagógica, antecipando-se ao movimento estudantil francês de 1968 em sua crítica ao autoritarismo, ao conformismo e à função segregacionista do sistema escolar (JARES, 2002).
2) Os princípios da ação educativa de Danilo Dolci:
  • A relação íntima que deve existir entre o que se diz e o que se faz, isto é, entre teoria e prática;
  • A tomada de partido “ao lado dos preseguidos e contras os poderosos”;
  • A educação para a desobediência: “Não obedeceremos a nenhuma polícia e a nenhum prefeito quando suas ordens forem contrárias à lei de Deus (DULCI apud JARES, 2002, p 74).
Os princípios do pensamento pedagógico de Aldo Capitini:
  • Educar no respeito à diversidade. “Para Capitini, ‘uma escola ideologicamente uniforme e fechada pode levar mais facilmente à hostilidade e à guerra: porque educa na consideração da diversidade como não-natural, doentia, diabólica, contraproducente e monstruosa, a eliminar’” (CAPITINI, apud JARES, 2002, p 75).
  • Educar na desobediência e no espírito crítico;
  • Educar na nãoviolência: “’Todos os adolescentes e todos os adultos devem conhecer as técnicas do método nãoviolento, porque só através deste, no uso do consenso e dissenso, a sociedade irá se converter paulatinamente em uma sociedade de todos’” (CAPITINI, apud JARES, 2002, p 75).
A escola Martin Luther King
A escola Martin Luther King foi fundada em Atlanta (USA), 1968, nas proximidades do local onde king nasceu. Para preservar e continuar a obra de King, essa escola desenvolviam atividades educativas e culturais em favor dos direitos civis e da luta social.
O projeto pedagógico do Centro de Educação para a Idade Pré-Escolar tinha como objetivo “desenvolver pessoas de caráter forte”, aptas para defender os valores necessários para uma sociedade democrática.
A Escola de Ensino dos Conhecimentos Fundamentais destinava-se aos jovens de 16 anos e adultos que desejavam superar suas deficiências relacionadas à escrita e ao cálculo. O objetivo principal dessa escola era ajudar os alunos a vencer seus sentimentos de frustração e desesperança para que reencontrassem a confiança em si mesmos (JARES, 2002, p 75).
O Dia Escolar da Não-Violência de da Paz (DENP)
O DENP foi fundado em 1964 pelo inspetor de ensino básico maiorquino Lorenzo Vidal. Nas palavras de seu fundador, o DENP surgiu com um triplo propósito:
  • Ser um apelo para cada um de nós (especialmente aos que são e aos que se sentem jovens) para que nos auto-eduquemos no amor universal, na não-violência e na paz, já que, para poder educar os outros, primeiro temos que educar a nós mesmos.
  • Ser um apelo aos educadores de todas as ideologias para que em suas escolas pratique-se anualmente a jornada e se eduque de uma maneira contínua no amor universal, na não-violência e na paz.
  • Ser um apelo às famílias e à sociedade para que , superando velhos preconceitos, transformem-se em escolas de educação permanente no amor universal, na não-violência e na paz.
“Definida como uma ‘jornada secular educativa de pacificação’, com a finalidade de levar os educandos, por meio da reflexão pessoal, à descoberta da mensagem fundamental de que ‘o amor é melhor que o ódio, a não-violência é melhor que a violência, e a paz é melhoe que a guerra’. A data escolhida para celebrar esse dia foi 30 de janeiro, em comemoração à morte de Gandhi ( JARES, 2002, p 77).

Um símbolo de Amor Universal
Irena sendler senhora
Irena Sendler salvou 2.500 crianças judias do gueto de Varsóvia.
Nascida em 1910, Irena Sendler foi uma desconhecida durante muitos anos para os poloneses. O mesmo acontecera com Oskar Schindler, que morreu na pobreza na Alemanha antes da façanha de ter salvo os funcionários judeus de sua fábrica ser levada ao cinema por Steven Spielberg.
Apenas em março de 2007 a Polônia lhe prestou uma homenagem solene e seu nome foi proposto ao prêmio Nobel da Paz. No entanto, o memorial israelense do Holocausto, o Yad Vashem, lhe entregou em 1965 o título de Justo entre Nações, destinado aos não-judeus que salvaram judeus.
Irena Sendler jovem
Quando a Alemanha invadiu o país em 1939, Irena era enfermeira no Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia, o qual administrava as cozinhas sociais comunitárias da cidade.
Em 1942, os nazis criaram um ghetto em Varsóvia. Irena, horrorizada pelas condições em que se vivia ali, uniu-se ao Conselho para a Ajuda de Judeus. Conseguiu identificações da repartição de saúde, uma de cujas tarefas era a luta contra as doenças contagiosas. Como os alemães invasores tinham medo de uma possível epidemia de tifo, permitiam que os polacos controlassem o recinto.
Crianças no holocausto 1
De imediato se pôs em contacto com as famílias às quais lhes ofereceu levar os seus filhos para fora do ghetto… Mas não lhes podia dar garantias de êxito. Era um momento horroroso, devia convencer os pais de que lhe entregassem os seus filhos, e eles preguntavam-lhe: "Podes prometer-me que o meu filho viverá…?" …mas que podia alguém prometer, quando nem sequer se sabia se conseguiriam sair do ghetto? A única certeza era que as crianças morreriam, se permanecessem nele.
As mães e as avós não queriam separar-se dos seus filhos e netos. Irena entendia-as muito bem, pois ela mesma era mãe, e sabia perfeitamente que, de todo o processo que ela levava a cabo com as crianças, o momento mais duro era o da separação.
Crianças no holocausto 4
"Fomos testemunhas de cenas infernais quando o pai estava de acordo, mas a mãe não", comentou a um site na internet dedicado a ela (www.dzieciholocaustu.pl).
Algumas vezes, quando Irena ou as suas ajudantes voltavam para visitar as famílias e tentar fazê-las mudar de opinião, descobriam que todos tinham sido levados de comboio para os campos da morte. Cada vez que lhe acontecia algo deste género, lutava com mais força por salvar mais crianças.
Começou a tirá-los em ambulâncias como vítimas de tifo, mas de imediato se valeu de tudo o que estava ao seu alcance para escondê-los e tirá-los dali: caixotes de lixo, caixas de ferramentas, carregamentos de mercadorias, sacos de batatas, ataúdes... nas suas mãos qualquer elemento se transformava numa via de escape.
Conseguiu recrutar pelo menos uma pessoa de cada um dos dez centros do Departamento de Bem-estar Social. Com a sua ajuda, elaborou centenas de documentos falsos com assinaturas falsificadas dando identidades temporárias às crianças judias.
Irena vivia os tempos da guerra pensando nos tempos da paz. Por isso, não lhe bastava somente manter essas crianças com vida. Queria que um dia pudessem recuperar os seus verdadeiros nomes, a sua identidade, as suas histórias pessoais, as suas famílias. Então, ideou um arquivo em que registava os nomes das crianças e das suas novas identidades. Anotava os dados em pequenos pedaços de papel e guardava-os dentro de frascos de conserva que depois enterrava debaixo de uma macieira no jardim do seu vizinho.
Crianças no holocausto 3
Ali guardou, sem que ninguém o suspeitasse, o passado de 2.500 crianças… até que os nazis se foram embora. Mas um dia os nazis souberam das suas actividades. Em 20 de Outubro de 1943, Irena Sendler foi detida pela Gestapo e levada para a prisão de Pawiak, onde foi brutalmente torturada.
Irena era a única que sabia os nomes e as direcções das famílias que albergavam as crianças judias; suportou a tortura e recusou-se a atraiçoar os seus colaboradores ou qualquer das crianças ocultas. Quebraram-lhe os pés e as pernas além de lhe imporem inumeráveis torturas. No entanto, ninguém pôde quebrar a sua vontade.
Assim, foi sentenciada à morte. Uma sentença que nunca se cumpriu, porque a caminho do lugar da execução, o soldado que a levava, deixou-a escapar. A resistência tinha-o subornado, porque não queriam que Irena morrese com o segredo da localização das crianças.
Oficialmente figurava nas listas dos executados, daí que, a partir de então, Irena continuou a trabalhar, mas com uma identidade falsa. Ao findar a guerra, ela mesma desenterrou os frascos e utilizou as notas para encontrar as 2.500 crianças que colocou em famíilias adotivas.
Reuniu-os aos seus parentes disseminados por toda a Europa, mas a maioria tinha perdido os seus familiares nos campos de concentração nazista. As crianças só a conheciam pelo seu nome chave: Jolanta.
Anos mais tarde, a sua história apareceu num periódico acompanhada de fotos suas da época. Várias pessoas começaram a chamá-la para dizer-lhe “Recordo a tua cara …sou uma dessas crianças, devo-te a minha vida, o meu futuro e gostaria de ver-te…”
Crianças no holocausto 2
"Poderia ter feito mais,e este lamento continuará comigo até ao dia em que eu morrer”, declarou.
Homenagem tardia
Devido ao seu estado de saúde delicado, Irena Sendler não participou da cerimônia que lhe homenageou em 2007, mas enviou uma sobrevivente, salva por ela em um gueto quando bebê, em 1942, para ler uma carta em se nome. "Convoco todas as pessoas generosas ao amor, à tolerância e à paz, não somente em tempos de guerra, mas também em tempos de paz", escreveu.
Em 1999 a sua história começou a ser conhecida, curiosamente, graças a um grupo de alunos de um instituto do Kansas e ao seu trabalho de final de curso sobre os heróis do Holocausto. Na sua investigação conseguiram muito poucas referências sobre Irena. Só tinham um dado surpreendente: tinha salvo a vida de 2.500 crianças.
Crianças no holocausto 5
Como era posssível que houvesse tão escassa informação sobre uma pessoa assim? A grande surpresa chegou quando, depois de procurar o lugar da tumba de Irena, descobriram que não existia a dita tumba, porque ela ainda vivia, …e de facto ainda vive… Na época ela era uma anciã de 97 anos que reside num asilo do centro de Varsóvia, num quarto onde nunca faltam ramos de flores e cartas de agradecimento, procedentes do mundo inteiro.
Irena Sendler menina
Irena relatava que seu pai, um médico que faleceu de tifo, quando ela era ainda pequena, inculcou-lhe o siguinte:
“Ajuda sempre o que se está a afogar, sem levar em conta a sua religião ou nacionalidade. Ajudar cada dia alguém tem que ser uma necessidade que saia do coração.”

O Coração Corajoso
Filme de Irena Sendler

Download do filme Aqui

Colaboração: Marie Julie
Referência: JARES, Xesús R. Educação para a paz: sua teoria e sua prática/Xesús R. Jares; trad. Fátima Murad – 2. ed, rev. e ampl. – Porto Alegre: Artmed, 2002.

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